quinta-feira, 9 de julho de 2009

Eu e a noite


A luz que, da rua, iluminou minha janela subitamente apagou-se. Era uma luz tênue e singela, que houvera desenhado os contornos da grade no chão e acariciara-me docilmente, trazendo ar da noite lá fora. Mas a luz, naquele momento, deixara de existir e, juntamente com ela, os últimos resquícios do dia que passara também se foram. Tudo o que se fez de produtivo, todas as sensações experimentadas, todos os fenômenos ocorridos encontravam seu repouso naquele momento. Senti algo como o fim de um ciclo. A sensação do encerramento do dia. Me pus a observar à janela o quadro melancólico que se me apresentava na quietude noturna. Alguns postes, carros estacionados, um grande pinheiro no centro do pátio...

Todos já haviam se rendido ao doce convite do sono, a julgar pelo silêncio que reinava e pelas janelas apagadas. Uma ou outra dessas janelas possuía a luminescência frenética oriunda de um aparelho de televisão, denunciando um insone na tentativa de romper o tédio. A ópera enfadonha de grilos apaixonados, o barulho constante e melancólico de um ventilador ligado e, vez por outra, reverberando pelos becos e ruas do bairro, o regougar desafinado de um cachorro que latia ao longe, era toda a música que completava aquele quadro obscuro.

Tudo isto combinava perfeitamente com a minha alma naquele momento. Por que tudo é perfeitamente metafórico. Por que a minha vida é um quarto à penumbra e eu sou um amante de algo desconhecido ou inexistente a observar tudo, a catalogar os mínimos detalhes, olhando pra dentro de mim; olhando de dentro pra fora. Eu não posso acender as luzes, por que eu acredito que incomodará aqueles que estão perto de mim, aqueles que me amam. Eu não tento me esconder, não tento sufocar o que sinto. Não. Na realidade eu quero justamente o contrário, apenas não sei como fazer. Eu invento e reinvento maneiras de me expressar, mas todos estão ocupados demais com suas próprias vidas. Sentir é suficiente...

Estou improvisando uma luz para fotografar meus pensamentos e relembrá-los mais adiante. Neste meu retrato verei, futuramente,o rosto de uma criança de olhos tristes e vagos, mas nunca dominados completamente pela desolação. Olhos que questionam... Ali estará registrado o que eu posso dizer que são os primeiros passos na grande jornada em busca de mim mesmo...