sábado, 12 de dezembro de 2009

Côr-de-Luz


Primeiramente azul. Calmo e suave. O amanhecer, a respiração. Passos que, trêmulos, investigam o mundo ao seu redor. Passos que, agora esverdeados, brincam e transcendem. O crescimento faz o amarelo enfim brotar. As decisões são mais severas, mas ainda há o riso, ainda há ternura. E o espírito, bravio, ganhando mais vívida côr, algo alaranjado, mostra a sua coragem. E cresce ainda mais para chegar ao seu auge, vermelho. Como uma erupção, sem saber, sem compreender, até que roxo, pensativo, melancólico, com o planeta inteiro no olhar, relembra o azul...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Medos Estranhos I


Três crianças brincavam alegres no quintal. Mas o vento cinza que rugiu por perto fez a mãe ficar com medo e mandá-los entrar. Começou a chover e a casa ficou sem energia elétrica. Lá fora iniciaram-se os ruídos, como de pessoas em desespero. Nada mais restava a não ser a esperança, e mesmo com todas as dificuldades esperariam para que os olhos pudessem ser abertos novamente. Por enquanto, os corredores eram imensos, mas logo os contemplariam como uma passagem convidativa ao novo dia que surgia. Iria acabar. Tudo iria acabar...

sábado, 26 de setembro de 2009

Testes I

Andei gastando um pouco de meu tempo realizando alguns testes e postarei o resultado de alguns aqui...

Que gênio louco você é?





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia




http://www.geocities.com/area51/shire/9828/kubrick.html

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Requiem: Memórias


Por uma dessas insones madrugadas ocorreu-me de passear nos vales sombrios de minhas memórias. Deixei-me envolver pela atmosfera noturnal e ao encontrar o defunto de um velho Sonho, a música me fez sufocar. Sentia como se o meu coração fosse esmagado à uma pressão gigantesca, impedindo meus pulmões de impelir o ar. Ao olhar e sentir o cadáver, uma das sensações mais inexplicáveis se apoderou de mim. Eu o contemplava ali, imóvel. Uma vulgar lembrança de um Sonho vivaz e impetuoso que caminhara comigo há não muito tempo. Era possível ver em seu semblante, mesmo, naquele momento, estático e carcomido, a sua aparência juvenil. Transcendi à primavera de meus sonhos, ao momento e ao lugar onde pude reviver toda essa estranha felicidade. Ali eu confrontei meu eu quando no vigor da paixão. Ali o vulto de meu Sonho, com seu semblante encorajador, apontava-me o rosto mais belo e misterioso que já cruzou meu caminho. Eu pude ver meu coração negando-se a qualquer custo a admitir o que sentia. Mãos hábeis, olhos profundos. Ainda todo o ambiente podia se fazer sentir facilmente, e frente a esse estímulo o choro bateu à porta de minha garganta. Ora queria deixá-lo fluir e lavar a minha desgraça, ora o prendia para que outros sonhos não desmoronassem juntamente com ele. Ainda toda a felicidade e dor se apresentavam ante minha presença, fazendo meu espírito comover-se de maneira tão sublime que não seria possível detalhar. Como que querendo despertar, forcei meus olhos até abrí-los novamente. Minhas mãos seguravam firmes as mãos do cadáver de meu Sonho. "Cante para mim, cante para mim!" eu repetia enquanto o chacoalhava. Era como a sensação da esperança de ver seus olhos a abrir-se, mas os vermes já estavam a caminho de consumí-los totalmente. E por longo tempo fiquei ali. Imobilizado...

Não lembro qual foi a última vez que o olhei, nem tenho certeza se será a última de fato. Sei apenas que um túmulo está sendo cuidadosamente edificado para seu descanso eterno...

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Rosto de Vidro


Guardei os meus punhos cerrados
Sob as mangas de minhas dúvidas
Sob as pálpebras de um olho ferido
Como um frágil espelho de vidro
Rejeitei o meu rosto quebrado

Estranhos e frios são meus passos
Se fazem ouvir entre as tumbas
Sussurrantes, os pés andarilhos
Elegante marchante acabado
Talvez louco, cansado e errante
Entre um ermo de arbustos esparsos

Entre sebes noturnas, cobertas de brumas
Levanto a voz em um brado:
'Ouçam os montes e os seus viajantes:
Não ousem seguir os meus passos.
Deixe que o tempo e suas constantes
Separem os nossos espaços."

Direi à solidão que me acompanhe
Que possa guiar-me entre os montes
Que afaste-me todos os homens
E as suas mentiras marcadas
E ao fim de toda a jornada
Eu possa encontrar-me em honra
A erguer meu olhar triunfante
A cantar o meu hino velado

Abri os meus punhos feridos
Sob as bordas de minhas túnicas
Sob os olhos agora cerrados
Relembrei o espelho quebrado
Revelei o meu rosto de vidro

domingo, 30 de agosto de 2009

Dos Filhos aos Filhos...


Ouvi ó povos, o desespero da Mãe de Muitos Filhos. Ela já não mais responde por seus atos. Já não conhece os filhos pelo nome. Posso sobre tal falar por que a vi. Tivemos que fazê-la adormecer. Seus maridos a humilharam, zombaram de suas vergonhas e a repudiaram. Muitos de seus filhos estão sucumbindo, enquanto seus irmãos mais fortes se aproveitam de suas fraquezas. Ela também os esqueceu, os poucos que sobrevivem estão famintos pelas calçadas. São crianças apenas, amorenadas pelo Sol, chorando por sua mãe que tanto amam, mas que as rejeitou completamente, por motivos que ainda não sabemos, mas que provavelmente não foi por puro desprezo consciente. Sim, elas a amam. Perguntei-lhes sobre Ela, e as crianças, com orgulho, levantaram-se e trouxeram à face um sorriso, e disseram, brincando e já esquecidas das tristezas, que Ela foi abençoada. Mas elas nem chegaram a conhecê-la em sua juventude. Ela é fruto de casamentos frustrados, e também desconhece seus genitores. Sua história foi manchada com seu próprio sangue, que lhe era arrancado por seus muitos amantes. Agora seus filhos são muitos. Ela clama.


Imagem: Magritte, Filho do homem, 1928

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Eu e a noite


A luz que, da rua, iluminou minha janela subitamente apagou-se. Era uma luz tênue e singela, que houvera desenhado os contornos da grade no chão e acariciara-me docilmente, trazendo ar da noite lá fora. Mas a luz, naquele momento, deixara de existir e, juntamente com ela, os últimos resquícios do dia que passara também se foram. Tudo o que se fez de produtivo, todas as sensações experimentadas, todos os fenômenos ocorridos encontravam seu repouso naquele momento. Senti algo como o fim de um ciclo. A sensação do encerramento do dia. Me pus a observar à janela o quadro melancólico que se me apresentava na quietude noturna. Alguns postes, carros estacionados, um grande pinheiro no centro do pátio...

Todos já haviam se rendido ao doce convite do sono, a julgar pelo silêncio que reinava e pelas janelas apagadas. Uma ou outra dessas janelas possuía a luminescência frenética oriunda de um aparelho de televisão, denunciando um insone na tentativa de romper o tédio. A ópera enfadonha de grilos apaixonados, o barulho constante e melancólico de um ventilador ligado e, vez por outra, reverberando pelos becos e ruas do bairro, o regougar desafinado de um cachorro que latia ao longe, era toda a música que completava aquele quadro obscuro.

Tudo isto combinava perfeitamente com a minha alma naquele momento. Por que tudo é perfeitamente metafórico. Por que a minha vida é um quarto à penumbra e eu sou um amante de algo desconhecido ou inexistente a observar tudo, a catalogar os mínimos detalhes, olhando pra dentro de mim; olhando de dentro pra fora. Eu não posso acender as luzes, por que eu acredito que incomodará aqueles que estão perto de mim, aqueles que me amam. Eu não tento me esconder, não tento sufocar o que sinto. Não. Na realidade eu quero justamente o contrário, apenas não sei como fazer. Eu invento e reinvento maneiras de me expressar, mas todos estão ocupados demais com suas próprias vidas. Sentir é suficiente...

Estou improvisando uma luz para fotografar meus pensamentos e relembrá-los mais adiante. Neste meu retrato verei, futuramente,o rosto de uma criança de olhos tristes e vagos, mas nunca dominados completamente pela desolação. Olhos que questionam... Ali estará registrado o que eu posso dizer que são os primeiros passos na grande jornada em busca de mim mesmo...

terça-feira, 2 de junho de 2009

Do Nascimento e Renascimento Das Idéias


Por esses dias eu procurei um ato heróico, de minha parte ou não, mas que representasse algo suficientemente belo e notório a ponto de me fazer refletir e tirar uma lição. Eu queria encontrar algo digno de uma epopéia ( é que, por vezes, abate-me uma mania de grandeza). E lá estava eu a ferver os miolos... Mas a minha semana havia sido tão comum... As mesmas pessoas, os mesmos olhos, mesmas tolices... E quando já estava a ponto de desistir lembrei-me de quando era um tanto mais jovem, quando meu coração era uma tocha incandescente e iluminativa. Foi durante esse período que tentei escrever uma poesia. Uma poesia sobre rosas. Uma rosa, na verdade, que brotara no seio da cidade grande ( eu a imaginava numa avenida, num desses buracos de asfalto, mas não tinha certeza se revelaria este fato) e que faria homens e mulheres se distanciarem de suas vidas quotidianas e repararem na beleza de uma rosa urbana. Era isso o que havia em mim, eu estava traduzindo um certo tipo de desejo de minha alma juvenil. Eu queria colocar em risco a noção qualitativa que atribuímos ao que nos cerca. Qual a importância de uma flor que brota? O espetáculo da vida tamborilava aos pés de todos sem ser notado. Mas logo rejeitei a idéia. Era clichê demais. Simplório demais. E assim como o carro que atropelaria a rosa e despedaçaria suas pétalas, essa idéia murchou em minha mente, pois não passava de mais um de meus inumeráveis devaneios. Enfim, tudo isto ficaria engavetado em mim durante muito tempo, empoirado e empilhado sob e sobre outras tantas idéias esquecidas. Mas, como o tempo, quer exista ele ou não, é um perspicaz, irônico e incansável agente de mudanças, eu mudei. Não pra pior nem pra melhor, apenas mudei. Meu olhar ainda é vago e distante, mas já não vejo as coisas com o lirismo romântico de outrora. E a cada dose de conhecimente que me é acrescentada sinto a dor e a angústia de entender o mundo assim como ele o é. E tudo o que venho a conhecer já traz consigo antecipadamente a sua visível ou não-visível miserabilidade. E ainda não tenho total certeza de por que razão lembrar-me de um velho devaneio me soa tão oportuno. Talvez seja um aviso de um início de uma nova mudança. Não sei. Sei que no fundo, lá no íntimo, onde às vezes, até eu me sinto estrangeiro em mim, a essência é a mesma, apenas o ângulo de visão muda de acordo com a caminhada. Sei que ainda acredito na rosa, assim como ainda acredito que seja uma história enfadonha e que não fuja ao lugar-comum. Fico feliz, também, por ver que ainda posso aprender tanto em coisas tão pueris e que mantenho meu espírito bravo, mesmo que adormecido.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O Imortal


Há muito tempo eu já estive preso no que se pode chamar de "invólucro material", quando os sóis eram intransponíveis e a poeira das estrelas inalcançáveis. Toda a barreira do tempo como um oceano negro erguia-se. E os olhos, ainda em carne, vislumbravam, atônitos, o firmamento. O infinito, o eterno, o tudo, o nada não se podiam compreender. Éramos apenas coadjuvantes na majestosa encenação da vida, eu e os que comigo sobreviviam. Mas eu desejava viver, além de tudo.

Como podes tu enxergar além de teus limites? Acaso é possível para ti esgueirar-se entre os mistérios que encerram em si a fonte de toda as coisas? Não mais possuo prazeres como dantes, não mais me arrependo por eles com a mesma intensidade. Não mais morte.

Renúncia!

Não se pode controlar todas as coisas. Há um preço a ser pago e sempre houve, não há atalhos e nunca houve. Dolorosas são as colunas e as portas da sabedoria, e, ainda assim, permanece a certeza de que a totalidade do poder e do conhecimento não se pode alcançar. A corrupção do corpo atinge também a alma, putrefando-a. Poucos e imensuravelmente poucos são os que compreendem, e estes são aqueles que nos perturbam e nos inquietam de maneira que fazemos da existência de tais seres uma aventura, ou até mesmo uma obstinada personificação de pensamentos íntimos.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Etéreo


Como uma canção há muito entoada, de vozes antigas, já não existem. Como sons de instrumentos esquecidos, oriundos de mentes ancestrais... que atravessam o espaço em busca de quem os ouça. Eis os acordes que soam, eis os acordes! Fluem de mim, atravessando as recâmaras de minha alma, reverberando, buscando forma. Pairam sobre os bosques em mim. Eis as notas que ecoam, eis as notas! Eu quero abarcá-las, quero com elas dançar. Eu quero sentir. Estão leves, suaves... nebulosas distantes... semi-vácuo fluorescente... Ouvir o brilho das estrelas...

A Eternidade faz-se ouvir aos que a buscam. E o silêncio torna-se doce canção.

Repercute ainda o som dos festejos, sorrisos. A espera incansável por teus olhos. Posso sorrir ao imaginar as alegrias do porvir. Meus braços estão abertos...

Os olhos refletem a grandiosidade dos mistérios. O coração queima ao sentir o fogo dos olhos. Eu busco os teus reflexos em toda essa imensidão. Por que a lembrança é algo que nos inflama, a saudade é um som de harpa a tocar suave a canção que foi esquecida em algum lugar dentro da alma. Mesmo as formas que nunca contemplei, os arpejos que jamais ouvi, mesmo o perfume que certamente me acalmaria mas que nunca senti, me trazem os contornos de algo desconhecido, inexplicável, que me fazem exultar não sei por que. Mas, ainda assim, há a dor, talvez da intangibilidade, talvez da incerteza... A dor da ausência...

Deixo então a canção tomar o espaço, não a quero perturbar. Tenho o negro céu para alimentar meus olhos enquanto abertos, tenho ainda a música para preencher a escuridão ao fechá-los. E posso ser parte de uma orquestra surreal, que é mais que um simples devaneio, é o Universo dentro de mim...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Afugentando devaneios antes de dormir...

Se refazes o meu ser enquanto existes
desconforto e amargura dão as mãos
e a um golpe só de teus olhares
despedaças de uma vez os meus gemidos
Sem a paz, sem o véu
eu te desprezo
perdi a cadência, o ritmo, a poesia

Mas não se vá... ainda...


Criação espontânea durante uma de minhas rápidas visitas à comunidade Madrugada, no orkut.
Sem muito contexto, sem muito sentido...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Um fio de luz


As paredes se aproximam; eu não posso mais suportar. Não sei o que fazer com todo esse desespero que me invade. Meu coração geme como um velho moribundo, como se os braços da morte estivessem abertos, o convidando. Perdoe-me, eu não consigo mais. Eu estive ali contigo, eu cresci contigo; firmei minhas raízes. Mas já não há Sol para o sustento, já não há sequer um rosto conhecido.


Um fio de luz... Sim, talvez haja... mas onde? Onde estive todo esse tempo? O que fizemos com nossa inocência? Perdemos as rédeas de nossa compaixão. Eu procuro algo que me lembre os tempos onde inclinava-me sobre meu leito e dormia docemente. Mas o que fazer agora que as lembranças nada mais são que um tormento? Estou só. Quem dera eu tivesse à minha frente campos verdes onde eu pudesse correr como quem foge de si mesmo.


Durante longas caminhadas pude ver tantas coisas. Tantas coisas que eu desejava não ter visto. Havia também um lugar sombrio sob pântanos onde encontrei almas desencorajadas. Não há nada mais doloroso e sufocante que uma alma que se esvaziou de esperanças. Os seus olhos não refletem a luz... Eu lembro de suas feições... Ainda ouços seus gemidos... Mas havia uma luz enfraquecida e pálida advinda das copas das árvores. Percebendo a luz aproximei-me e olhei minhas mãos. Vi que me tornava um deles... Você sabe quando alguém utiliza suas últimas reservas de forças para uma corrida final? Você sabe o que é tentar encher os pulmões de ar e sentir apenas o frio agonizante te esfaquear por dentro? Usei tudo o que ainda me restava para fugir...


Em uma terra desconhecida vaguei. Eu te levava na memória, enquanto caminhava e tentava me agasalhar. Você me mostrou tanta coisa nova, mas me tirou tanta coisa. Eu não sei se te agradecerei ou te odiarei. Nunca tente roubar a fé de homem, isso é tudo o que realmente importa; por que tudo acabará e o chão que você pisa não mais existirá.


Um fio de luz seria suficiente para superar o ódio, mas como trazer paz a um coração odiado e humilhado? Enquanto meu cérebro continua recebendo sofridamente o oxigênio que posso respirar, sentado, observo estes zumbis. Como podemos murmurar contra isso? Fomos nós quem criamos, nossas mãos trabalharam por esta causa. Vejo ainda o amor que essas almas têm por si mesmas. Vivem no mais repulsivo pântano, andam como bestas famintas, mas acreditam ser belos e amam a si mesmos. E por isso matam e devoram uns aos outros.


As paredes se aproximam e eu não posso mais suportar. Não espero que alguém de fora ouça o meu clamor; quem se importaria com um ser à beira do próprio caos, quando tudo lhe vai bem? Um dia estará entre os famigerados zumbis insaciáveis.


Mas você não pode roubar a fé de um homem, por que isso é o que importa. Minha visão se vai e já não posso me erguer, mas sei que existe algo além. Eu não sei o que me espera, e em tais circunstâncias seria mesmo menos doloroso pensar sobre isso. E quando eu não puder mais...


Um fio de luz pode romper a mais densa escuridão, e todos o poderão ver de longe...

terça-feira, 3 de março de 2009

Simples passageiro

Fui te ver. Eu já estava me acostumando com você. Você veio bem de repente, sabe? Eu pensava sobre isso no caminho. Pensava muito em você. Foi ai que me toquei como tudo é tão efêmero. Nossa vida, nossas paixões, nossas iras, tudo isso some. Não sei por que costumo embaralhar meus pensamentos, mas no final parece que a história se encaixa. É, eu estava feliz. Eu sabia que ia chegar lá e te encontrar. Você estaria me esperando. Mesmo assim, a gente não correria um pro outro de vez, como um casal que se encontra depois de longo período. A gente ia se encontrar como tímidos amantes, e demoraríamos um pouco pra ficarmos à vontade. Eu também olhava muito a rua que passava fugaz sob meus olhos distantes. O chão estava molhado e o céu se preparava pra outra dose de uma boa chuva gelada. Tudo vai embora, assim como a chuva e o chão molhado. Às vezes eu punha a cabeça pra fora da janela, pra deixar meu rosto sentir o frio lá de fora. Noite bonita, aconchegante. Eu poderia estar em casa curtindo o barulho da chuva no telhado. Mas eu queria mesmo estar ali. Eu nem podia, tinha inventado qualquer história pra ninguém saber que era pra te ver. E eu não estava apreensivo. Estranho isso. Mas era uma coisa boa, acredito. Sou geralmente muito ansioso, mas dessa vez não. Só pensava que chegaria e te veria. Não sabia o que viria depois, mas isso já me acalmava. Então, eu desci. Eu já estive lá algumas vezes. Foi ali que te encontrei. Quem diria que me apegaria tanto a você, não é? Mas agora lá estava tudo tão escuro. Vi alguém por lá. Você não estava. Precisou ir. Aquele lugar nunca esteve tão silencioso. Conversei com esse alguém um pouco, havia mesmo umas pendências a serem resolvidas. Mas eu não prestava atenção, tudo ali tinha um algo marcante, um cheiro característico, não sei definir. Coisas muito importantes para mim foram levadas a efeito naquele espaço. Eu precisava ir, afinal. No caminho de volta, apenas a avenida vazia e fria. Eu iria tomar o próximo que passasse. Agora ficou tudo muito confuso. Me embaracei todo. Onde eu estava em meus pensamentos? Onde eu estava agora? Tudo é tão frágil. Acho que agora eu já estava lá dentro, voltando, sentado, pensativo, olhando pela janela. São coisas de mais e eu me sinto muito imaturo. Agora chovia muito. Tive que fechar a janela. De repente, todos fecham as janelas. Ah, como eu queria ter te visto. E eu lembrava de seu rosto. Mas isso doeu. Eu não havia entendido muito bem. Todo aquele clima, as janelas fechadas, as pessoas cansadas, meus planos frustrados, a chuva pesada, e cada vez mais pesada. Tudo isso me fez sentir estranho. E a dor aumentou. Estava doendo mesmo. Não só por dentro, mas por fora. Meu Deus, eu havia me esquecido que não estava bem de saúde! O que me diriam quando chegasse em casa? Meu coração estava fora de ritmo. Eu não podia mais pensar em você, por que dóia. No mesmo lugar, por dentro e por fora. Foi uma noite bem esquisita. Foram muitas sensações deslocadas. Tudo ficou fora de ordem como minha mente. Mas tudo tinha um sentido. Em breve eu estaria em casa. Eu não dei o braço a torcer, pensei em você. Meu coração reagia loucamente, mas o que fazer? Eu apenas tinha que seguir em frente. Eu te veria novamente. Sim, agora eu só preciso me livrar da chuva que vai me acompanhar até o portão de minha casa. Foi uma noite e tanto. Muitas pessoas não dariam a mínima importância. Mas eu não. Eu gosto do meu mundo, eu viajo em minhas loucuras, eu crio e recrio personagens e universos. Coisas tão simples. Quero te mostrar apenas, com isso, como vale a pena viver. Quero te oferecer um mundo de flores e espinhos, de correrias, de campos ensolarados, de medos, de felicidades, de ternuras, de chuvas, um mundo onde a gente se cansa ao longo do dia, mas regenera as forças à noite. Um mundo onde tenhamos a certeza um do outro. Quero te oferecer uma mão firme, pra que possamos cruzar esse mundo, pra que possamos enxergar com a visão da simplicidade. Tudo é tão inconstante, tão rápido. E é por isso que naquela noite eu quis tanto te ver, por isso que ainda quero te ver novamente, por que tudo passa voando sobre nossas cabeças. Este é o grande espetáculo da vida, sempre tão simples e paradoxal.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Superfície Desconhecida

São as palavras, são os símbolos, os gestos e as feições. São, acima de tudo, expressões. Como um poeta louco com um rascunho de certa carta extraviada propositalmente em mãos, minh'alma se agita entre dedos e repousa nos meus traços. Enquanto, em devaneios, reflito almas intensas, me detenho em suas sensações. Observo mentes que se revolvem em espirais, feitas de sonhos. Emoções. Em certos momentos, desejo vorazmente que os formatos de tais espirais e suas cores e luzes sejam notados por alguém, assim como espero que ouça seus acordes, que sinta a textura, que em sua boca derreta com gosto enquanto aspira, já em outros espaços, seu perfume. Sim, todas as sensações em unidade. E é por isso, por querer compartilhar desta loucura, que desejo que alguém olhe para dentro de mim, mesmo que por alguns instantes. É uma inconstância constante. Algo pulsante, enérgico e ao mesmo tempo frágil e melancólico. Durante um longo e fatigante período me abstive do choro, e creio que até quisesse praticá-lo, por vezes. Na verdade, minha sequidão exterior acabou por tornar-se um jugo. Insuportável. Há pouco tempo, porém, lembrei-me de como é estranhamente puro,frenético, deprimente e abeçoador um choro. Sabendo que outra longa era passará até que isto me suceda novamente, faço das letras o meu pranto. Não um pranto pesado, carregado de tristezas e derrotas e entrecortado por soturnos soluços guturais, porém um pranto brando, pensativo, enigmático, suave, que agora permanece imóvel, mas que saiu ácido como um vômito. Regurgito-o, então, sem lágrimas, por que alguém irá sorver estas palavras, e em sua boca notará o gosto salgado que possuem, pois que não caíram de meus olhos, mas se alojaram entre as linhas. Não quero, também, que à todas estas palavras seja atribuído um tom grave e angustiante, antes se assemelhem à claridade de um luar, assim como o que chegava até mim há poucos instantes pela janela de meu quarto escuro, ao qual deixou vagamente iluminado, não dando forma aos objetos, apenas sugerindo-os. Acredito que seja uma boa dose de mim. Não poderei atribuir porcentagens, pois somos nós que damos um ponto final ao nosso infinito. Mas ainda assim, estarei oferecendo a alguém, uma rara chance de me ver. Talvez eu não queira mesmo encontrar esse alguém... Estranho isso... Mas queria mesmo saber o que uma rápida demonstração de meu interior traria à suposta alma que o visse. Talvez seja perda de tempo, ou talvez, como imagino, podemos construir o mundo todo a partir de nossas almas. E talvez um dia eu esteja lá, em seus pensamentos, não como um hóspede, mas habitando... Nem sempre eu soube de toda a verdade, e aqui talvez nunca saiba mesmo, mas ela vem se revelando ao longo do caminho. Era a verdade, mas à ela fechei os olhos, por um momento. Confesso que tive medo de olhá-la assim de repente, porém agora já estou cicatrizando de muito do que já me chegou ao conhecimento. Mas o tempo escoa rápida e sutilmente e chega um ponto que tudo torna-se mais cansativo do que já foi, e minhas palavras ficam tediosas até para mim. Não consigo seguir um padrão. Deve haver lógica para tudo isso.Eu, contudo, não a acho. Tão estranhamente como surgiram, meus pensamentos se espalham como fumaça, e voam tão vagos que não mais os reúno. Aos poucos, me trancafio novamente dentro de mim. Talvez eu venha à tona novamente... Se isso acontecer, espero emergir em um olhar onde já sobrevoei, onde as espirais já estejam em sua alucinada dança, como uma recepção involuntária... Um olhar distante, alheio, sereno e azul como o mar...